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Memórias inventadas:
Filmes de Josef von Sternberg e Keiichi Tanaami ![]() |
IMS PAULISTA
21/08/2025 (quinta) 18h Anatahan 20h10 Curtas de Keiichi Tanaami 30/08/2025 (sábado) 19h Anatahan 21h Curtas de Keiichi Tanaami Quando pensei sobre isso, me dei conta, “claro que não poderia ter acontecido”. Eu tenho muitas memórias como essa. Eu acho que essas memórias inventadas são mais vívidas do que as reais. - O artista visual e cineasta Keiichi Tanaami, em uma entrevista realizada em 2022 para o New York Times.[1] Mas quando as pedrinhas foram jogadas no lago de Hollywood, fizeram ondulações que chegaram a margens distantes. Apesar de eu ter esquecido o meu trabalho, ele foi lembrado por outros, e quando o Japão foi alcançado, eu fui recebido como um velho amigo. - O cineasta Josef von Sternberg, em seu livro de memórias Fun in a Chinese Laundry [Brincando numa lavanderia chinesa], de 1965.[2] Josef von Sternberg visitou o Japão pela primeira vez em 1936, mesmo ano em que Keiichi Tanaami nasceu. A carreira uma vez incandescente do cineasta austro-americano estava naquele momento em baixa. Sua fase mais brilhante em Hollywood havia ocorrido na Paramount Pictures entre 1927 e 1932, primeiro com uma série de filmes silenciosos que expandiu as possibilidades da linguagem cinematográfica no final da era silenciosa, depois, com uma série de filmes intoxicantes e muitas vezes surrealistas, realizados em parceria com a atriz alemã Marlene Dietrich, culminando em uma visão sensual e intrigante do Oriente com O expresso de Xangai (Shanghai Express, 1932). Mas, após os sucessos de crítica e bilheteria dos três primeiros filmes americanos da dupla (mais O anjo azul/Der blaue Engel, realizado na República de Weimar em 1930 para o estúdio UFA), o cineasta e sua atriz favorita entraram em declínio, com mais três filmes que receberam críticas negativas e acumularam prejuízos na bilheteria. A parceria foi encerrada pela própria Paramount, e Sternberg foi levado a trabalhar na Columbia Pictures com uma adaptação para o cinema, designada a ele, do livro de Dostoévski Crime e castigo (Crime and Punishment, 1935). Sternberg era conhecido em Hollywood como um faz-tudo que exigia controle sobre todos os aspectos das suas produções, inclusive o jogo delicado entre luz e sombra que marcou a iluminação dos seus filmes. A experiência de trabalhar sem autonomia criativa foi tão desagradável que ele passou a se dedicar a outras empreitadas, como a escrita e a organização da sua coleção de arte, que chegou a ser uma das maiores de arte moderna nos Estados Unidos. Ele construiu uma casa em um local afastado (inclusive para guardar as obras), porém se deu conta de que a distância não era suficiente, e então abandonou o projeto e embarcou em uma viagem para a Ásia. Nascido Jonas Sternberg, em Viena, em 1894, de uma família ortodoxa judaica e economicamente desfavorecida, ele foi morar em Nova York com seus pais, primeiro aos 10 anos e depois definitivamente com 14 anos. Nos Estados Unidos, descobriu uma habilidade técnica que desenvolveu ao abandonar os estudos escolares. Começou a trabalhar com o cinema nos estúdios de Fort Lee, no estado vizinho de Nova Jersey (um dos centros originais da indústria cinematográfica do país), como um reparador de películas danificadas. Isso lhe deu oportunidades para estudar a imagem cinematográfica minuciosamente antes de assumir outros trabalhos na indústria. Ganhou o nome de “von Sternberg” nos créditos de Por direito divino (By Divine Right, 1924), filme dirigido por Roy William Neill no qual trabalhou como assistente, e resolveu manter o ar de nobreza que o nome lhe trouxe. Desde a juventude, ele tomou como sua principal referência artística as artes visuais e valorizou a pintura e a escultura acima da literatura e do teatro. E, ao admirar as artes clássicas europeias, Sternberg inevitavelmente compartilhou a fascinação que os artistas europeus da sua época tinham com as culturas e artes orientais, como, por exemplo, a noção do ukiyo (“mundo flutuante”) expressa na pintura japonesa do período Edo (1603-1867). Sternberg apresentou um olhar ocidental sobre o Oriente desde o começo do seu cinema. Seu primeiro filme como diretor, o longa-metragem independente Caçadores de salvação (The Salvation Hunters, 1925), é uma história de amor e solidariedade entre personagens marginais que foi filmada na área reservada para barcos de pesca japoneses em Los Angeles. Em um momento do filme, o herói se depara com um cartaz em japonês (um anúncio para um encontro de pescadores) e tenta imaginar nele possibilidades de trabalho. O público japonês, inclusive a crítica, consistentemente olhou para o cinema de Sternberg com admiração. Por exemplo, seu último filme silencioso, O romance de Lena (The Case of Lena Smith, 1929) – uma recriação de suas memórias de infância em Viena, por meio de um melodrama sobre o destino trágico da protagonista do título – foi tão bem recebido no Japão que o crítico Masaru Takada fez uma lista de todos os planos do filme ao longo de duas edições da revista Eiga Orai [Movimentos de filmes]. Não foi surpreendente que Sternberg tenha sido recebido no Japão como um mestre do cinema, com grande entusiasmo vindo da juventude japonesa e respeito de críticos e outros cineastas que mostraram a ele um conhecimento profundo de seus filmes. Na cidade de Quioto, Sternberg encontrou um amigo, o cineasta alemão Arnold Fanck, que estava lá para filmar uma coprodução alemã-japonesa chamada A filha do samurai (Die Tochter des Samurai/Atarashiki Tsuchi, 1937). O produtor desse filme, Nagamasa Kawakita, empenhou-se em mudar as visões equivocadas que as culturas tinham uma da outra, primeiro trabalhando na distribuição (de filmes europeus no Japão e de filmes japoneses na Alemanha) e depois na produção de filmes com artistas europeus no Japão. Sternberg acompanhou as filmagens de A filha do samurai e vislumbrou como seria realizar um filme em uma situação ideal, onde ele pudesse assumir controle total da produção, escolha dos atores, criação dos cenários, direção e edição. Começou uma conversa com Kawakita a respeito das possibilidades de uma colaboração, porém seus planos foram interrompidos pela chegada da Segunda Guerra Sino-Japonesa e, depois, da Guerra do Pacífico. Sternberg saiu do Japão logo após Keiichi Tanaami ter nascido em uma família de comerciantes de tecidos em Tóquio. Tanaami viveu os anos da guerra de forma palpável, passando por uma série de experiências que marcou seu imaginário pela vida inteira, a maioria acompanhada pelos sons dos bombardeiros. Uma delas foi presenciar um galo com a cabeça em chamas, gritando e correndo durante um ataque aéreo. Outra foi ver os peixinhos dourados em um aquário de vidro na casa dos seus avós maternos, iluminados pelos bombardeios. Também conta de uma mulher arremessada no ar após ser baleada por um piloto. Ao falar da mulher para sua mãe, o jovem Keiichi foi acusado de mentir, pois ela nunca teria deixado ele sozinho durante um ataque aéreo. Essas imagens eventualmente entraram em filmes fabulados por Tanaami, como em Crayon Angel (1975), no caso do galo, e em A Gaze in Summer – 1942 (2002), no da mulher.[3] Desde cedo, ele viveu entre a realidade e a ficção. Tanaami assistia até 500 filmes por ano quando jovem, a maioria deles norte-americanos, com atrizes cujas imagens ele usou em obras de colagem décadas depois. Desenvolveu um gosto pelos filmes de animação de Walt Disney e dos irmãos Max Fleischer e Dave Fleischer, principalmente o longa-metragem No mundo da carochinha (Mr. Bug Goes to Town, 1941), que impressionou Tanaami por seu uso de sombras. Também era fascinado pelo mundo dos mangás (principalmente os desenhados por Osamu Tezuka) e as equivalentes histórias em quadrinhos norte-americanas, que encontrava em sebos graças aos soldados, que as levaram para o Japão durante a Segunda Guerra Mundial e a subsequente ocupação norte-americana do país (1945-1952). Um tio querido de Tanaami deixou com sua família uma vasta coleção de revistas, cartões-postais e outros artefatos da cultura pop norte-americana depois de sua morte como soldado na guerra. O cinema de Tanaami (a maior parte feito em animação) ficou marcado por diversas imagens que remetem às suas experiências de guerra, desde corpos feridos até representações distorcidas do rato Mickey e de Betty Boop. O último longa-metragem realizado por Sternberg também surgiu a partir da guerra e acabou levando-o de volta ao Japão. Em 1951, o cineasta, passando por mais uma frustração em Hollywood (desta vez com o estúdio RKO e seu produtor Howard Hughes), leu uma breve notícia sobre um grupo de soldados japoneses que naufragou nas ilhas Marianas antes do fim da guerra e que se recusava a render-se ou até mesmo reconhecer que a guerra havia acabado. Durante os sete anos que ficaram na ilha de Anatahan, eles também criaram uma espécie de guerra entre si em torno da única mulher no grupo. Sternberg viu na história um reflexo da condição humana. Para a produção do filme, Sternberg fez uma parceria com Kawakita e mais dois produtores japoneses. Porém, Anatahan foi, em boa parte, autofinanciado, com a venda de diversas obras da coleção de arte do cineasta por valores abaixo do mercado. Ele escalou uma série de atores desconhecidos (alguns não profissionais, outros com treinamento no teatro kabuki) e se comunicou com eles através de dois intérpretes e de um fluxograma onde a arca emocional de cada personagem foi mapeada visualmente. O único integrante não japonês da equipe do filme atuou como diretor, roteirista (se baseando em um livro de memórias escrito por um dos soldados), cinegrafista (com o jovem operador de câmera Kozo Okazaki) e narrador. Sternberg também assumiu a autoria da construção do paraíso artificial que serviu como o único set de Anatahan – uma recriação da ilha e sua selva frondosa, toda prateada, feita em um enorme galpão em Quioto. Uma das características mais marcantes do cinema de Sternberg sempre foi sua capacidade de elaborar universos artificiais em paralelo ao mundo real. Muitas vezes, a coexistência de diferentes realidades em seus filmes funcionava como uma metáfora para a forma com que a mente humana processa o mundo. É assim em Anatahan. Enquanto os atores (falando em sua língua japonesa nativa) encenam os conflitos entre os soldados em algo que lembra o momento presente, a narração de Sternberg (em inglês) assume a perspectiva de um deles e descreve no pretérito perfeito as experiências na ilha pela qual “nós” passamos. Assim, o espectador é convidado a testemunhar a estranha pungência das situações de um comandante (Shiro Amikura) que fica no topo da ilha aguardando um inimigo que nunca chegará, do grupo que canta o hino nacional de um império que não mais existe e da mulher (Akemi Negishi) sozinha em um ambiente masculino, cada vez mais isolada pela violência que os homens cometem em nome dela. À sua maneira, a solidão que a personagem Keiko carrega representa não apenas a memória de um Japão em luto, mas também de todos os lugares impactados por guerras. Anatahan (que também foi lançado com o nome A saga de Anatahan/The Saga of Anatahan) estreou um ano após o fim da ocupação norte-americana no Japão, em um momento em que o Ocidente estava de olho no cinema japonês. No meio de filmes aclamados como Contos da lua vaga (Ugetsu Monogotari, 1953), de Kenji Mizoguchi, Era uma vez em Tóquio (Tokyo Monogatari, 1953), de Yasujiro Ozu, e Portal do Inferno (Jigokumon, 1953), de Teinosuke Kinugasa, a produção japonesa de Sternberg ficou perdida, tanto no público japonês (que tinha cansado de ouvir histórias sobre Anatahan) quanto no norte-americano (que estranhou a escolha de Sternberg de não legendar as falas dos atores). Anatahan foi o último filme que Sternberg dirigiu. Nos anos subsequentes, lecionou cinema na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), tendo entre seus alunos cineastas da vanguarda norte-americana, como Curtis Harrington e Gregory Markopoulos. Morreu de um ataque cardíaco em 1969, e foi apenas com o relançamento de Anatahan na década de 1970 que o trabalho que Sternberg uma vez chamou de “meu melhor filme e meu filme mais malsucedido” passou a ser valorizado. Sternberg fez sua avaliação de Anatahan na última obra artística que lançou, uma autobiografia literária chamada Fun in a Chinese Laundry, cujo título veio de um filme de Thomas Edison que foi lançado em 1894 (o ano em que Sternberg nasceu). O livro foi publicado em 1965, no mesmo ano em que Keiichi Tanaami estreou seu primeiro filme, a animação Marionettes in Masks (1965), na edição inaugural do Festival de Animação de Sogetsu. Tanaami havia abandonado seu sonho de ser um artista de mangá, sob a pressão dos seus pais, e se formou na Universidade de Artes de Musashino, com uma especialização em design. Inicialmente, começou a trabalhar em uma agência de publicidade, porém logo se demitiu para trabalhar com mais liberdade como designer gráfico freelance e editor de arte de revistas. Tanaami se envolveu com as atividades de colegas artistas japoneses quando começou a fazer suas próprias exposições. Algumas de suas inspirações iniciais vieram do Centro de Arte Sogetsu, em Tóquio, um espaço multidisciplinar para arte experimental do pós-guerra que era operado pelo cineasta Hiroshi Teshigahara (conhecido pelo clássico da Nova Onda Japonesa A mulher da areia/Suna no onna, de 1964). Lá, Tanaami viu happenings de Yoko Ono, acompanhou visitas de compositores e pintores do exterior e assistiu a filmes experimentais dos Estados Unidos e do próprio Japão – muitas vezes em sessões vazias, o que também ocorria nos seus próprios filmes. As obras de Tanaami – tanto no cinema quanto nas artes visuais, que incluíram as capas japonesas de discos de bandas estrangeiras, como The Monkees e Jefferson Airplane – eram radicalmente coloridas e psicodélicas, nunca foram abstratas. Ele compartilhou a tendência da pop art de reconfigurar imagens bem conhecidas com ironia e senso de humor ácido. Também deixou clara uma sensibilidade política, em obras como a série de cartazes em serigrafia NO MORE WAR [Guerra nunca mais] (1967), com foco em figuras humanas que parecem agonizar conforme protestam contra várias guerras. As viagens que Tanaami fez para Nova York entre o final da década de 1960 e o início da década de 1970 foram transformadoras. Conheceu Andy Warhol e sua Fábrica e estudou a agilidade do artista em transitar entre modos alternativos e comerciais. Fez uma imersão no cinema de vanguarda de artistas como Kenneth Anger, Jack Smith e Jonas Mekas e trabalhos de expanded cinema de Stan VanDerBeek. E, talvez ainda mais crucial, descobriu a facilidade com a qual era possível obter revistas pornográficas nos Estados Unidos, inclusive nas bancas de jornais e nos supermercados. Algumas das publicações, como das histórias em quadrinhos de Robert Crumb, misturavam obscenidades com comentários sociais. Tanaami chegou a entender o próprio capitalismo norte-americano como um grande gesto pornográfico que, há algumas décadas, se estabelecera no Japão. Ele utilizou diversas dessas imagens de mulheres nuas nos curtas-metragens que foi comissionado a fazer no Japão para o programa de animação adulta 11 PM [23 horas] (horário que passava na televisão). Os organizadores precisavam de conteúdo com urgência e, assim, não tinham tempo para avaliar o que recebiam, proporcionando maior liberdade de expressão para Tanaami, que a exerceu em obras sardônicas como Commercial War (1971), Good-by Marilyn (1971) e Good-by Elvis and USA (1971). Nesses filmes, Tanaami ironizou a tendência de consumo japonesa pós-guerra, com imagens grotescas de pessoas correndo atrás de mercadorias modernas, muitas vezes ao som de uma música pop (norte-americana ou japonesa). Em 1972, Tanaami começou a exibir seus filmes em sessões no Tenjo Sajiki-kan, um teatro dirigido pelo teatrólogo japonês de vanguarda Shuji Terayama, que também fez filmes experimentais e politicamente engajados. Enquanto a programação do Centro de Arte Sogetsu era voltada para uma apreciação geral das artes, as atividades no Tenjo Sajiki-kan se direcionaram para quem se considerava parte da cena japonesa underground. Lá, Tanaami exibiu filmes ao lado de artistas como Takahiko Iiumura e Toshio Matsumoto. Embora alguns dos cineastas tenham feito longas-metragens que entraram no circuito como parte da Nuberu Bagu [Nova Onda Japonesa], a maioria fazia curtas-metragens sem chances de distribuição e focados em explosivas dissecações de dimensões formais. Tanaami participou no grupo com filmes como Why (1975), no qual uma única imagem de uma luta do boxeador norte-americano Muhammad Ali (conhecido por sua recusa de servir na Guerra do Vietnã) é apresentada através de uma série de filtros, técnicas de refotografia e truques de luz. O filme Artificial Paradise (1975) toma como ponto de partida um cartão-postal com uma imagem do pôr do sol em uma praia, que Tanaami apresenta de diversos formas e ângulos ao lado de imagens de revistas de mulheres seminuas. No mesmo ano em que fez Artificial Paradise, Tanaami assumiu a posição de diretor artístico da edição japonesa da revista Playboy, e trouxe para o trabalho sua sensibilidade autoconsciente costumeira. Trabalhou intensamente em diversos campos até 1981, quando subitamente contraiu uma tuberculose potencialmente fatal. Durante sua internação de quatro meses, Tanaami passou por uma série de sonhos e alucinações intensas, muitas vezes remetendo às feridas ainda não curadas de sua infância. Ao sair do hospital, ele entendeu que tinha que sair da rotina urbana e trabalhar menos. Isso resultou, entre outras escolhas, em um hiato na sua produção cinematográfica. Voltou a fazer filmes somente na década de 2000, quando estava trabalhando como professor na Universidade de Artes e Design em Quioto. Um dos seus colegas de trabalho na faculdade foi o também animador experimental Nobuhiro Aihara, que nasceu na província de Kanagawa em 1944. A amizade entre Tanaami e Aihara levou a uma parceria em que eles desenvolveram uma correspondência por desenhos, os quais deixavam na mesa do escritório um do outro. Isso resultou na criação de mais de 20 filmes, a maioria com menos de cinco minutos de duração. Neles, um fundo branco serve como campo de diálogo entre os traços suaves e abertos do budista Aihara e as linhas mais agitadas de Tanaami. Os que têm a assinatura de Tanaami como autor principal muitas vezes remetem às suas memórias, de forma literal, com imagens breves e sugestivas de aviões, ou mais ambígua e perturbadora, por exemplo, com figuras sombrias e semi-humanas correndo na tela em Memories Hidden in Darkness – Dreams of Various Shades (2001). No mesmo momento de sua entrada na Universidade em Quioto, Tanaami começou uma série de desenhos chamada The Trip to Stir Memories, na qual fez uma catalogação de suas memórias como registros artísticos. Continuou a usar as memórias como pontos de referência em seus filmes após a morte de Aihara em 2011. A última fase do cinema de Tanaami consiste em trabalhos de animação feitos em vídeo, como Red Colored Bridge (2012) e The Laughing Spider (2016), que revisitam imagens de filmes anteriores, adaptando-os a uma nova época e estética, até mais vulgar e artificial do que quando ele começou a fazer filmes. Tanaami também passou a fazer um esforço em seu trabalho para incorporar referências a outros movimentos artísticos que admirava, como uma forma de se situar na história da arte – como pontes e jardins que remetem a obras do período Edo (recorrentes nos vídeos) e à pintura Mãe e filho (Mère et enfant, 1901), de Pablo Picasso, a partir da qual Tanaami fez mais de 400 reproduções durante a pandemia de covid-19. Por anos, Tanaami foi mais conhecido como designer gráfico do que como artista. A fase mais prolífica e bem recebida de sua produção artística começou somente a partir dos seus 70 anos, graças, em boa parte, ao investimento da galeria japonesa NANZUKA em seu trabalho, a partir de 2005. As primeiras digitalizações em alta resolução dos seus filmes foram feitas em 2010, e um projeto de inventário e preservação dos materiais fílmicos em seu estúdio foi lançado pela organização Collaborative Cataloging Japan (CCJ) em 2018. A primeira exposição abrangente do seu trabalho artístico, Keiichi Tanaami: Adventures in Memory, abriu no Centro Nacional de Arte em Tóquio em 2024. Tanaami participou ativamente na criação da exposição, que apresentou 60 anos de trabalho, e na qual seus filmes foram projetados em um espaço que também contou com instalações e enormes pinturas coloridas de flores, esqueletos, animais, astros de Hollywood e aviões caça. Tanaami adoeceu em junho do mesmo ano. Ele faleceu aos 88 anos, cercado por parentes e amigos. A data de sua partida, dia 9 de agosto, foi significativa por pelo menos dois motivos. Foi o dia após a abertura da exposição do artista no Centro Nacional de Arte, que virou uma celebração à sua memória. E, também, foi o dia do lançamento da bomba atômica sobre Nagasaki em 1945, três dias após o lançamento sobre Hiroshima e um ano após o naufrágio dos soldados na ilha de Anatahan. Quando receberam a notícia das bombas – como muitos –, eles não conseguiram acreditar. A Sessão Mutual Films de agosto de 2025 é dedicada às memórias dos cineastas japoneses recém-falecidos Ko Nakajima (1941-2025), Masahiro Shinoda (1931-2025), Tomonari Nishikawa (1969-2025) e Yoji Kuri (1928-2024). E, também, às memórias do cineasta franco-austríaco Marcel Ophüls (1927-2025), da atriz filipina Nora Aunor (1953-2025), das vozes da vanguarda norte-americana Florence Jacobs (1941-2025) e P. Adams Sitney (1944-2025) e dos músicos pop e experimentais norte-americanos Brian Wilson (1942-2025) e Sly Stone (1943-2025).
[1] O artigo em inglês “Keiichi Tanaami Remembers Everything”, de 2022, pode ser lido no site
The New York Times.
Uma entrevista em vídeo com Tanaami foi realizada no mesmo ano pela equipe do Japan House São Paulo, na ocasião da exposição WAVE – Novas correntes nas artes gráficas japonesas, e pode ser encontrada no site
Japan House.
[2] O livro de Sternberg é inédito no Brasil. [3] Os filmes de Tanaami têm dois nomes oficiais – um em japonês e um em inglês. Foi escolhido usar os nomes em inglês para as exibições no IMS Paulista sob a orientação da galeria NANZUKA, detentora das obras.
Agradecimentos da sessão: Alexander Horwath, Antônio Gonçalves Junior/Olhar de Cinema – Festival Internacional de Cinema de Curitiba, George Schmalz/Kino Lorber, Go Hirasawa, Julian Ross, Kevin Lutz/Museu de Cinema da Áustria, Miyuki Teruya/Japan House São Paulo, Yuki Itaya/NANZUKA
SINOPSES “Anatahan” + Curtas de Keiichi Tanaami SUPLEMENTOS “Sobre Anatahan” (de Fun in a Chinese Laundry) “O romance de Lena: Um fragmento” “Pontes: uma fronteira entre o secular e o sagrado” Web site IMS - Sessão Mutual Films - Informações e ingressos |
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