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Onde eu estou é aqui: Filmes de Margaret Tait
Margaret Tait | Escócia | 1951-1976, 76', 16 mm para DCP Uma poça d'água. A roda de um carro. Um prédio em construção, tijolo sobre tijolo. Um castelo de cartas sendo construído em stop motion. Prédios e mais prédios em construção. A noite se aproxima, caminhando na beira da praia. DANGER [PERIGO]. Água. Fogo. Gelo. Um pássaro. Ouvimos o pássaro quadros para a frente, sobre a imagem do fogo. Palavras aparecem em stop motion. Música vai e vem. Uma carta sendo escrita. Brincadeiras na neve. Lua. "Um começo, um fim." As imagens listadas acima vêm do filme Onde eu estou é aqui (1964), um retrato plácido e melodioso da cidade de Edimburgo. Ele é um dos filmes mais renomados de Margaret Tait (1918-1999), uma artista pouco conhecida em vida, mas que hoje é tida como uma pioneira do cinema poético realizado no Reino Unido. O filme, como a maioria de seus trabalhos cinematográficos, foi rodado pela própria Tait em sua Escócia natal - muitas vezes ao redor de sua casa, na ilha de Orkney. "Eu não estou, de fato, interessada em 'registrar para a posteridade'", ela falou em uma entrevista transmitida pelo Channel Four em 1983. "Isto é um valor acidental ou incidental que meus filmes podem ter, e não o seu propósito. Eu faço meus filmes para audiências que estão presentes no momento - para uma resposta no momento... No meu uso da linguagem cinematográfica, eu mostro coisas desse tipo - às vezes -, e se eu as uso, gosto de que elas tenham precisão; porém, mais em função da reverberação do que do registro." Tait estudou medicina na Universidade de Edimburgo e trabalhou com o Royal Army Medical Corps na Ásia durante a Segunda Guerra Mundial. Porém, ela chegou a sentir que "era necessário fazer algo mais do que apenas trazer as pessoas de volta à saúde corporal", e resolveu cursar cinema na década de 1950 no Centro Sperimentale di Cinematografia, em Roma. Entre este momento e o final de sua vida, Tait fez mais de 30 filmes, a maioria deles nos formatos de curta e média-metragem (a única exceção foi Blue Black Permanent, de 1992, o primeiro longa-metragem de ficção feito por uma diretora na Escócia). Ela também escreveu contos e livros de poesia, tendo autores como Federico García Lorca e Hugh MacDiarmid como importantes referências. Os filmes chamados por ela de "filmes-poemas" são estruturados de forma lírica e breve, e expressam a beleza e o sublime de momentos fugidios. O programa que passará no IMS conta com seis desses filmes, apresentados em ordem cronológica e em novas cópias digitais de alta resolução preparadas pela distribuidora britânica LUX, a partir de materiais em 16 mm. Ele começa com dois filmes-retratos, o primeiro de pessoas que Tait conheceu durante seus estudos na Itália (entre elas, o diretor argentino Fernando Birri), e o segundo, de sua mãe, após voltar para a Escócia. Onde eu estou é aqui é seguido por três filmes mais curtos que oferecem impressões de momentos no tempo, com explorações ousadas de paisagens, cores, texturas de seu ambiente e sons cristalinos que remetem a processos de reflexão e andança. A curadoria do programa foi feita por Sarah Neely e Matt Lloyd em 2018 em homenagem ao centenário de Tait. Três esboços de retratos é um filme mudo, enquanto os outros filmes do programa são sonoros. A cineasta alemã Ute Aurand vai apresentar a primeira exibição do programa no IMS Paulista e sua exibição única no IMS Rio. Três esboços de retratos (Three Portrait Sketches) Margaret Tait | Reino Unido/Itália | 1951, 10', 16 mm para DCP Retrato de Ga (A Portrait of Ga) Margaret Tait | Reino Unido | 1952, 5', 16 mm para DCP Onde eu estou é aqui (Where I Am Is Here) Margaret Tait | Reino Unido | 1964, 35', 16 mm para DCP Aéreo (Aerial) Margaret Tait | Reino Unido | 1974, 4', 16 mm para DCP Poemas de cores (Colour Poems) Margaret Tait | Reino Unido | 1974, 12', 16 mm para DCP Arremate (Tailpiece) Margaret Tait | Reino Unido | 1976, 10', 16 mm para DCP Close-up da Rua Rosa O texto a seguir foi originalmente escrito por Margaret Tait em inglês. Ele foi publicado na Scotland's Magazine, n. 53, no dia 12 de dezembro de 1957, dois anos após a conclusão de seu filme Rua Rosa (Rose Street, 1955), um retrato documental de uma rua de seu bairro que pode ser visto no Moving Image Archive (National Library of Scotland) . Em 2012, o texto foi republicado (junto a outros textos de Tait) no livro Margaret Tait: Poems, Stories and Writings (ed. Sarah Neely) . Ele aparece aqui em tradução para português com a permissão da Margaret Tait Estate e do Orkney Archive, e com a ajuda da Sarah Neely. É barulhenta o tempo todo. Caminhões passam chacoalhando ou esperam latejando de raiva o trânsito passar. Grandes caminhonetes de móveis passam no nível da janela do primeiro andar. Garrafas tagarelam umas com as outras, as mais cheias e barulhentas a caminho dos bares vorazes, as vazias sendo retornadas ou, numa mistura louca, chegando na loja de garrafas vazias do Sr. Gibb para serem classificadas e dispensadas. A loja um dia foi uma escola. O chão desce para os fundos. Onde um dia estiveram as carteiras há caixotes e guirlandas de garrafas de whisky, vinho, ketchup. Prateleiras carregam garrafas em miniatura e garrafas gigantes de vitrine. Na janela, a vista agradável de vidros verdes e marrons. Um raio de sol da janela dos fundos ilumina uma lata de lixo e transforma madeira tosca no material mais exótico da terra. Uma entrada sinuosa leva para além de quartos misteriosos. Uma velha e pomposa balança e um novo e pomposo arranjo de sinos são tão particulares que parecem mágicos. Do outro lado, o senhor Lumsden, de sua porta, acena com chapéu para um duque e seca por prazer uma garota da doceria. Toc, toc, toc dos saltos altos faz com que ele vire a cabeça para um lado e para o outro. O senhor Lumsden é muito educado. O senhor Lumsden observa tudo. A loja do senhor Lumsden é um amontoado de quinquilharias em uma desordem sedutora. "Batatinhas, minha querida?" diz Joe. Os menininhos são enxotados para fora do café porque eles perturbam os outros clientes. "Estrelas de cinema estiveram aqui. Todo tipo de gente tomou café em minhas mesas." O próprio Joe é uma estrela de cinema. Bem, ele aparece em um filme chamado Rua Rosa. John Burns correu pela rua e pegou batatinhas no Joe. A pequena e luminosa face de John possui o vigor típico das crianças que vivem na Rua Rosa. Com Philip e Douglas e George e Harry e Billy e uma multidão de outras com quem se apoderam da rua - as crianças se apoderam quando o trânsito acaba e as lojas fecham. Os sinos da igreja não as preocupam. Elas jogam amarelinha na calçada e desenham a poeira na sarjeta nas formas dos jogos. "Eu não tô falando com você", disse Frances Rosie altivamente, sentada no meio-fio, sua face coberta com o preto de suas mãos, as quais alegremente estiveram raspando montes de detritos fuliginosos. "Você tem um carro? - Bem, então não gosto de você." As garotas saltam e brincam com bolas e bicicletas, e pulam no riscado da amarelinha. Os garotos jogam futebol e brincam de cowboys, às vezes jogam amarelinha com as garotas e andam de bicicleta ao longo da travessa da Rua Rosa e de volta; e garotos e garotas juntos se divertem enlouquecidos e maravilhados brincando de ciranda no beco dos fundos. São as garotas que conhecem as músicas dos jogos, a beleza, o fantástico, a tradição, a profundidade. Jogos antigos são coisas de meninas. Os garotos se interessam mais pelo rádio e pelos quadrinhos. De repente eles crescem e ficam encostados nos batentes das portas. Eles fumam e se preocupam com a roupa. "Vocês são só meninos peludos", um dia cantaram as crianças para eles. Mas não são, porque eles preservam a Rua Rosa como o centro do mundo. Bem, - eles têm o entusiasmo exagerado de adolescente. As garotas compram dois ou três discos e a rua toda chacoalha e estremece a todo volume com a repetição das mesmas melodias do rock'n'roll todos os domingos, do café da manhã até a hora de dormir e em intervalos durante a semana. Desagradável Rua Rosa - que piada! É só mencionar o nome da rua e o povo de Edimburgo ou gargalha, ou hã-hã com reprovação. "Uma matéria sobre a Rua Rosa?" eles dizem com os olhos esbugalhados. "Não seria publicável." Na Rua Rosa há quatorze bares - Miss Scott's, Forrest's, Armas de Gordon, A Rosa e a Coroa, Kenilworth, Scarlett's, A Velha Centena, o Cocar Branco, Paddy Crossan's, Bar do William Nicol, Canmore Vaults, o Bon-Accord, Bar do Crane, o Abbotsford. Quando filmávamos o interior de um bar para o curta Rua Rosa, planejamos a filmagem para sábado no final da tarde, quando estivesse cheio. Pedimos para a proprietária aprovar nossa ideia. "Bem, depende se Copas ganhar", ela disse. Mas sexta à noite é realmente a noite da bebedeira e, como via de regra, é o único dia em que a rua é tão barulhenta à noite quanto de dia - exceto, claro, quando Copas venceu o campeonato. Na Rua Rosa há uma cabine de polícia, de onde saem pares de policiais em intervalos regulares e cuidadosamente andam pela rua. As crianças em seus jogos ameaçam umas as outras com "Lá vem o tira". A preocupação do chefe dos tiras durante o dia é manter o tráfego fluindo ao polidamente mover os veículos parados, e à noite garantir que as lojas e estabelecimentos estejam seguros. Eu nunca contei as prostitutas. Sinto muito por ser ignorante assim, mas não sei se existem mais na Rua Rosa do que em outros lugares. Deve ser a presença dos bares que dão à Rua Rosa uma vaga reputação de imoralidade não especificada. Ou poderia ser os sombrios edifícios vermelhos de escritórios - Menzies Ltd., a Central Telefônica, a Central do Trabalho, a imprensa Stewarts, de costas para a rua e para a via e com uma grande e pesada porta em cada um, jorrando pequenas trabalhadoras de fábrica importadas para as horas de almoço e as peças das onze horas? Esses produtos inexpressivos da era industrial possuem mais vícios em seus olhares carrancudos do que os bares alegres, mais vícios do que as simplesmente belas e belamente simples construções domésticas que se alinham na rua em uma similaridade variada. Nessas casas fervilhantes e subindo as escadas lotadas vivem pessoas. Mas mesmo assim, a rua possui essa reputação. Deve haver uma razão para isso, você pensaria. Essa saudável rua turbulenta, nomeada em homenagem à rosa inglesa, construída no século XVIII para abarcar os negociantes que naquela época possuíam pequenas lojas para suprir a gente fina das recém-nascidas Rua Príncipes e Rua George, uma rua estreita onde pardais agora podem ser ouvidos cantando, até esgoelando, nos beirais sobre o berro do trânsito, onde as gaivotas respondem ao eco dos sinos da São Cuteberto, e o grito distante do apito de um trem que realmente não está tão distante assim, apenas depois de duas fileiras de prédios, no vale dos Jardins da Rua Príncipes (um dos playgrounds das crianças daqui), onde os bebês e as donas de casa podem ver da janela de trás da cozinha o magro castelo iluminado, enquanto o pai assiste à corrida na televisão na sala de estar, há uma razão de ser que pode muito bem ser divertido descobrir que gargalhadas provocam conotações repugnantes. "Poderia ter sido uma segunda Rua Bond", dizem sonhando as senhoritas da loja de chapéus. "Poderia ter sido um segundo Soho", dizem proprietários de restaurantes. "Algo poderia ter sido feito. Poderia ser uma segunda qualquer coisa de algum outro lugar." Mas não será. Continuará sendo a primeira e única Rua Rosa, Edimburgo. "Nós devemos desenvolvê-la", dizem os empreiteiros. "Coloque tudo abaixo e use como um estacionamento de uma via de entrada." "Não, não, não. Coloque tudo abaixo e construa uns escritórios austeros." "Não, não. Apenas coloque abaixo." "Por que colocar abaixo os edifícios elegantemente simples? Os presunçosos e sinistros valem menos a pena deixar." "Ah, vejo que você é só uma tradicionalista, heheheh." "Viciante Rua Rosa! Há há há!" |
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