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Cinemateca Capitólio Petrobras - Horizontes do filme ensaio
 
A quarta e última morada

4 de outubro 20hs + debate com Mariana Shellard e Aaron Cutler
16 de outubro 16hs
 
Communion Los Angeles
5 de outubro 16hs
Com apresentação dos curadores
 
Domínio / Las Campañas de invierno
5 de outubro 18hs
Com apresentação dos curadores

 
Quando se exige da vida mais que um sanduíche:
Ensaios sobre o mundo contemporâneo

 
“O exame para o qual nos preparamos trazia outra matéria. Tratava da liberdade pessoal de pôr um foguete nas costas e voar por aí a fora sem queimaduras e códigos de estradas aéreas, como falcões majestosíssimos. Não tratava de arranjar combustível para nossos sonhos mais extravagantes, nem para a realidade barata que inventamos. Não tratava de viver no deserto e olhar para a imensidão da água salobra. Assim, não garanto que passemos neste exame.”
- Trecho de texto narrado no filme Domínio

Quando surgiu a possibilidade de fazer a estreia brasileira de nosso longa-metragem A quarta e última morada na Cinemateca Capitólio Petrobras - no contexto da mostra Horizontes do Filme Ensaio –, vislumbramos um conjunto de filmes em diálogo tendo como ponto de partida abordagens pessoais e particulares sobre o mundo contemporâneo. Mundo este permeado por histórias contraditórias que atuam no inconsciente da vida distraída de maneira a nos fazer crer que somos aquilo que determina nosso entorno.
 
A quarta e última morada registra o percurso de um pregador de rua (interpretado pelo ator de teatro Ronaldo Braga) incumbido de professar aos passantes da movimentada Praça da Sé em São Paulo sua mais profunda crença: “Não há verdade por trás de todas as verdades”. Para registrar sua performance, definimos a menor estrutura possível. Utilizamos apenas uma câmera na mão pilotada pelo cinegrafista André Uba e três microfones (câmera, ator e flutuante) que foram conduzidos pelo músico e sonoplasta Guilherme Chiappetta. Propusemos um movimento entre o ator, o cinegrafista e o sonoplasta no qual, os dois últimos se distanciariam e se aproximariam do primeiro, ao longo da performance, como entidades independentes. Na edição procuramos manter a ordem do cronograma de filmagem. A intenção por de trás do filme foi registrar a região central da cidade da forma mais crua possível, tendo no ator/pregador o papel de catalizador do movimento local e condutor da narrativa.
 
Para dialogar com A quarta e última morada, convidamos o filme Communion Los Angeles, de Adam R. Levine e Peter Bo Rappmund, que faz algo similar ao registrar uma metrópole moderna de forma complexa e ao mesmo tempo elementar, a partir de um fio condutor, neste caso, a estrada interestadual Rota 110 que cruza o estado da Califórnia. As imagens capturadas quadro a quadro são adornadas por uma montagem fluida e rigorosa de sonoridades que descrevem cenas pontuais da vida urbana local, envolvida pela malha viária saturada de automóveis. O uso da técnica quadro a quadro cria um distanciamento do conteúdo das imagens ao quebrar com o reconhecimento imediato do que se observa e assim, possibilita um olhar mais atento e curioso para a enorme diversidade local e para o movimento energético de seu cotidiano.
 
O terceiro programa da série começa com o filme-ensaio Domínio, do cineasta português Marcelo Felix. O curta-metragem tem como protagonista uma voz feminina (interpretada por Raquel Jacinto) que reflete sobre a existência humana enquanto somos conduzidos por diferentes lugares. Alguns são mais contemplativos, como uma sessão de cinema e um aquário, e, outros, mais dinâmicos, como ônibus públicos e passeatas. O som ambiente é intercalado pela voz que nos projeta do local que observamos na tela para um espaço introspectivo da psique.
 
Domínio é seguido por Las campañas de invierno, longa de estreia do cineasta cubano Rafael Ramírez. Como os outros filmes, Las campañas mistura camadas de tempo – da construção das pirâmides maçônicas, às campanhas de Napoleão no século XIX, às edificações de monumentos na ex-União Soviética – para criar uma viagem em que cada lugar contém múltiplos níveis de história condensados em um momento presente. O som denso e sofisticado do filme (com várias composições originais do próprio cineasta e músico) também passa esta impressão. Os fragmentos de histórias compõem uma mistura de documentário e ficção, que transcorrem em um ambiente indefinido, suspenso no tempo, para além de um apocalipse.
 
Em um ensaio crítico de 1929 sobre o romance Berlin Alexanderplatz, de Alfred Döblin, Walter Benjamin descreve o perfil trágico do protagonista, um desempregado à beira da marginalidade: “Esse homem precisa pintar o diabo na parede, al fresco, sempre de novo. Não admira, portanto, que sempre de novo o diabo apareça, para buscá-lo. Como essa fome de destino é saciada, saciada por toda a vida, cedendo lugar à satisfação com o sanduíche, e como o marginal se transforma num sábio – esse é o itinerário de sua vida". O livro, como os filmes desta mostra série, mergulha em um universo que, permeado por um avanço desvairado, vive à beira de um colapso. Todos os dias somos tragados por um apocalipse para dele renascer e morrer novamente.
 
Essas sessões são dedicadas à memória do cineasta e fotografo suíço-americano Robert Frank, morto em setembro de 2019.
 

As sessões integram a mostra Horizontes do Filme Ensaio
Com filmes e debates em torno do ensaio fílmico, a mostra é uma correalização com o Goethe-Institut Porto Alegre, Cinemateca da Embaixada da França no Brasil e Institut Français. É uma das 26 atividades do projeto Cinemateca Capitólio Petrobras programação especial 2019, aprovado pela Lei Rouanet/Governo Federal, com produção cultural da Fundacine RS e Prefeitura Municipal de Porto Alegre, através da Coordenação de Cinema e Audiovisual da Secretaria da Cultura, com patrocínio master da Petrobras. Mais informações no site do evento.
 

 

 
A quarta e última morada
Dir. Mariana Shellard, 2019, Brasil, 89min, DCP

Híbrido de ficção e documentário, o filme foi inspirado no livro Sangue Sábio, (1949) de Flannery O'Connor. Um ator de teatro (Ronaldo Braga), representando um pregador de rua no turbulento e cacofônico centro da cidade de São Paulo onde se concentram pregadores autônomos e religiosos, interage com a população e consequentemente traça um perfil do microcosmo local. Sua fé é a Igreja Sem Cristo e sua pregação declara que "não há verdade por trás de todas as verdades". O filme estreou no festival FILMADRID em 2019.
 

 

 
Domínio
Dir. Marcelo Felix, 2019, Portugal, 12min, DCP

Abordagem pessoal ao tema da sustentabilidade, Domínio evoca o invisível na rotina dos seres e das coisas, a dimensão imensurável de cada escolha, a origem e o destino da memória: uma despedida em contagem decrescente, entre a nostalgia da distância que repõe a perspectiva e a imersão quotidiana na múltipla proximidade do caos. Domínio é um relance sobre gestos de discreta subversão e também uma breve lembrança do desgaste do mundo, feito de fragmentos de passado e futuro. O filme estreou no festival FUSO - Anual de Vídeo Arte Internacional de Lisboa.
 

 

 
Communion Los Angeles
Dir. Adam R. Levine e Peter Bo Rappmund, 2018, EUA, 68min, DCP

O filme segue, quadro a quadro, a auto-estrada mais antiga da Califórnia (SR 110), das Montanhas de São Gabriel ao Oceano Pacífico, definindo e dividindo as comunidades para as quais foi desenhada para servir. Ao observar essas 35 milhas de asfalto com infraestrutura e arquitetura públicas, essa jornada equinocial realça as dicotomias de mobilidade, tecnologia e espaço urbano. Além de fazer seus próprios filmes, os dois diretores trabalharam como assistentes e colaboradores de Thom Andersen em diversos trabalhos, e Rappmund também participou da montagem de A quarta e última morada. O filme estreou na mostra Signs of Life (Sinais de Vida), no Festival de Locarno.
 

 

 
Las campañas de invierno
Dir. Rafael Ramírez, 2019, Cuba/Venezuela/México, 70min, DCP

O prolífico cineasta cubano experimental Rafael Ramírez leva a campanha de Napoleão para a Rússia como ponto de partida para seu excepcional longa de estreia. Ele apresenta uma realidade singularmente mundana, mas também um universo perturbador de fantasia. O filme então oferece dois mundos em conflito, onde os personagens se tornam símbolos de representação e nos quais uma narração misteriosa é o guia exclusivo para o espectador atravessar a fronteira entre eles. Las campañas de invierno conta com citações de Hegel, Kafka, John Maynard Keynes, José Kozer, Cotton Mathers, Wittgenstein, entre outros. É um filme de grande beleza feito de rascunhos, modelagem e remodelagem. O filme estreou no Curaçao International Film Festival Rotterdam.
 
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