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Nossa voz de terra, memória e futuro (Nuestra voz de tierra, memoria y futuro)
Marta Rodríguez e Jorge Silva | Colômbia | 1981, 110', 16 mm para DCP

 
Ao longo da década de 1970, os cineastas colombianos Marta Rodríguez e Jorge Silva trabalharam de forma independente em documentários que mostram as injustiças sofridas por trabalhadores e povos indígenas em seu país. Após realizarem Campesinos (1975), sobre a história recente de movimentos trabalhistas colombianos, eles mergulharam na luta diária do povo Coconuco, na região andina de Cauca, para recuperar suas terras ancestrais. Rodríguez e Silva inicialmente seguiram o método didático materialista usado em Campesinos, mas logo perceberam que, para atingir o público desejado - os próprios indígenas -, eles precisariam mudar a abordagem do filme, descentralizando o pensamento ideológico moderno a favor da incorporação da mitologia local. Para tal, pulverizaram as vozes, que antes se concentravam em lideranças indígenas, e abarcaram relatos fantasmagóricos sobre a influência do diabo no comportamento violento dos donos de terras e estrangeiros endinheirados. Os diretores entenderam que esses relatos eram uma forma de interpretação da opressão que viviam os povos desde o tempo da colonização e, portanto, para que o filme se tornasse uma ferramenta eficiente para a tomada de consciência indígena sobre seus direitos, era preciso incluir esse universo mágico na narrativa.
 
Eles trabalharam durante quatro anos em Nossa voz de terra, memória e futuro, e contaram com a participação de comissões de cooperativas locais, que prestaram consultoria, inclusive na sala de edição. A realização do filme também envolveu artistas colombianos, como o compositor Jorge López e o grupo musical Yaki Kandru (para a trilha sonora), o pintor Pedro Alcántara e o diretor de arte Ricardo Duque (responsáveis pela concepção da figura do diabo). O pacto do proprietário rico de terras com o diabo é teatralizado ao longo do filme, por meio de cenas surreais em que um monstro engravatado com um rosto anfíbio interage com uma espécie de Tio Sam a cavalo. Nossa voz narra ainda a história da luta indígena, mostrando as ações do recém-fundado CRIC (Conselho Regional Indígena de Cauca), inclusive a reocupação de fazendas e o ensino de matemática, história e alfabetização. São contadas por seus integrantes as histórias de lideranças icônicas, como Juan Tama, no século XVII, Manuel Quintín Lame, nas primeiras décadas do século XX, e Justiniano Lame, um ativista assassinado em 1977, cuja vida é relembrada pela viúva, Gertrudis, e serve como inspiração para lutas atuais. A mistura de diferentes vozes e formas narrativas no filme deu para os cineastas, nas palavras de Jorge Silva, "a oportunidade de fazer algo que nos interessava há muito tempo: tentar ir além do documentário tradicional, que geralmente ignora esses níveis de realidade - os esquece."
 
Em 1982, Nossa voz de terra, memória e futuro passou no Festival Internacional de Cinema de Berlim, na mostra Forum, organizada pelo Arsenal - Institut für Film und Videokunst e.V. Décadas depois, a mesma entidade restaurou digitalmente dois filmes de Rodríguez e Silva - Chircales (1971), em 2014, e Nossa voz, em 2019. O trabalho de restauração foi realizado em parceria com a Fundación Cine Documental (produtora de Rodríguez e Silva) e Hollywoodoo Films (produtora de seu filho e também cineasta, Lucas Silva), que providenciaram os negativos originais de imagem e som.
 
[Parte da entrevista de Jorge Silva e Marta Rodríguez para o documentário New Cinema of Latin America, Part II: The Long Road (1981), dirigido por Michael Chanan, está disponível, em espanhol, no link: vimeo.com/362436707] .
 
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