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Tijolo e espelho
(Khesht o Ayeneh)

Ebrahim Golestan | Irã | 1964, 130', 35 mm para DCP (Cinemateca de Bolonha)
 
"Nada refletia / Nos olhos da coruja além de angústia / Medo era o único sinal de vida", ouve-se no rádio do taxi de Hashem (interpretado por Zackaria Hashemi), enquanto ele dirige pela noite escura de uma Teerã moderna, em 1963. O poema narrado pelo diretor de Tijolo e espelho, Ebrahim Golestan, define o temperamento do filme e de uma época na qual a desigualdade social e a repressão do Estado dominavam a vida cotidiana no Irã. O taxista de classe média baixa se depara com um bebê abandonado por uma passageira no banco de trás de seu carro. Ele procura desesperadamente pela mulher e encontra apenas ruínas. No esqueleto de um edifício em construção residem três pessoas: uma velha, uma grávida em prantos abandonada pelo marido e um músico com deficiência física. Dali, Hashem segue para o bar onde deve entregar o taxi a um colega, que o recebe furioso. Senta-se com um grupo de amigos que, ao vê-lo com a criança nos braços, logo começam um parlapatório de julgamentos. A garçonete Taji (interpretada por Taji Ahmadi), amante de Hashem, expressa compaixão diante da situação e passa a acompanhá-lo na jornada em busca de uma solução. Eles caminham por ruas comerciais dormentes, discutem sobre ficar ou não com o bebê e expressam a intimidade de um casal em crise em uma cidade cosmopolita e esfacelada.
 
O título do primeiro longa-metragem de ficção de Golestan vem de versos do poeta persa clássico Attar de Nixapur: "O que o Jovem vê no espelho, o Velho vê no tijolo de lama". O filme foi realizado por uma equipe de cinco pessoas, com várias interrupções por motivos técnicos. Golestan o realizou após dirigir uma sequência notável de curtas-metragens documentais, e casou o impulso documental de filmar atores não profissionais em locações reais com uma forte sensibilidade literária. Ao longo de sua jornada, o angustiado Hashem e a esperançosa Taji se deparam com personagens que funcionam, junto às vozes no rádio, como uma espécie de coro, entre eles, um policial sóbrio, um doutor agitado, uma enfermeira de orfanato amargada pelo abandono constante de bebês e um tabelião que questiona a viabilidade de criar filhos. Todos vivem sob uma cortina de paranoia que perdura de uma noite sombria ao dia seguinte incerto.
 
Tijolo e espelho foi selecionado para a competição do Festival Internacional de Cinema de Veneza em 1964, porém, por razões logísticas, estreou apenas no ano seguinte, no Festival Internacional de Novo Cinema de Pesaro. Nas subsequentes décadas, ele ganhou reputação como a primeira obra-prima de ficção do cinema moderno iraniano, e passou a ser uma referência crucial para a nova onda cinematográfica do país e para as gerações subsequentes de artistas. O filme foi restaurado pela Cinemateca de Bolonha em 4K, em 2018, a partir dos negativos originais de câmera e de som, sob a supervisão do cineasta. A sessão de Tijolo e espelho no IMS Rio será introduzida presencialmente pela cineasta iraniana Mitra Farahani, que produziu a restauração.
 
Mitra Farahani é cineasta, pintora e escultora, nasceu em Teerã em 1975. Em 1998, se mudou para Paris, onde reside atualmente. Seus filmes incluem os longas-metragens Fifi grita de felicidade (Fifi az Khoshhali Zooze Mikeshad, 2013), um retrato documental do artista iraniano Bahman Mohassess, e Até sexta, Robinson (À vendredi, Robinson, 2022), registro de um período de correspondência entre os cineastas Jean-Luc Godard e Ebrahim Golestan. Através de sua produtora, Écran Noir Productions, ela produziu o filme de Godard Imagem e Palavra (Le livre d'image, 2018) e o projeto de restauração dos filmes do Estúdio Cinematográfico Golestan pela Cinemateca de Bolonha.
 
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