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A esposa solitária
(Charulata)

Satyajit Ray | Índia | 1964, 120’, 35 mm para DCP (cópia restaurada)
Fonte da cópia: RDB Entertainments (Índia)
 

Charulata (interpretada por Madhabi Mukherjee) é a jovem esposa do atarefado Bhupati (Shailen Mukherjee), proprietário de um jornal progressista e autofinanciado chamado A Sentinela, na região indiana de Bengala em 1879. Tendo se casado ainda criança, Charu desabrocha numa mulher entre os aposentos de sua grande casa, alienada da vida pública e imersa em seus livros. Para fazer companhia a Charu, Bhupati chama para trabalhar em seu jornal o cunhado Umapada (Shyamal Ghoshal), acompanhado de sua também jovem esposa, Mandakini (Gitali Roy). Apesar de serem contemporâneas, Charu e Manda possuem diferenças irreconciliáveis, uma vez que a anfitriã se percebe como uma nabina (mulher moderna), diferente da sua hóspede prachina (mulher tradicional). O mundo de Charu, confinado quase totalmente à sua casa, é então sacudido por completo com a chegada de Amal (Soumitra Chatterjee), primo de Bhupati, com quem cresceu durante a infância. Amal é um poeta que recentemente concluiu seus estudos universitários, e, com o encorajamento de seu primo, estimula Charu a escrever e dar corpo aos seus sentimentos, um gesto que ela leva para consequências inesperadas.
 
A esposa solitária se baseia na obra O ninho partido (1901), do primeiro vencedor asiático do Prêmio Nobel de Literatura, Rabindranath Tagore. É uma das primeiras obras literárias do autor bengalês no formato ocidental de novela, que traz consigo elementos autobiográficos. Especulou-se que a referência principal para a personagem de Charu foi Kadambari Devi, a jovem esposa de Jyotirindranath Tagore (irmão mais velho de Rabindranath), com quem o autor conviveu por anos e que morreu alguns meses após ele se casar. O cineasta Satyajit Ray, admirador profundo da obra de Tagore, explora esse aspecto da vida real do escritor, e traz para cenas do filme suas poesias e músicas, além de momentos inspirados pela figura da mulher que Tagore também representou em desenhos e pinturas.
 
Ray trabalhou em seu 12º longa-metragem pela primeira vez como operador de câmera (ao lado do cinegrafista Subrata Mitra), além de escrever o roteiro, compor a trilha sonora, colaborar na direção de arte e desenhar o cartaz. Com um olhar clássico e naturalista, a câmera acompanha em detalhes os personagens que se deslocam pelos cômodos e pelo jardim da espaçosa casa bengalesa e expressa com ludicidade e jovialidade as situações vividas. Em várias ocasiões, os diálogos e as descrições de Tagore são substituídos por momentos silenciosos que evocam os pensamentos dos personagens de formas inquietantes. Ainda que trágica, a história – tanto do livro como do filme – retrata a vida intelectual fértil e autorrenovadora da elite indiana.
 
A cópia de A esposa solitária que será exibida no IMS Paulista é de uma restauração de 2013, realizada em 2K a partir do negativo original do filme pelo Pixion Studios e Cameon Media Lab, em Bombaim. O trabalho foi conduzido pela RDB Entertainments, sob a supervisão de Varsha Bansal, neta de R.D. Bansal, um produtor e exibidor de cinema em Calcutá que produziu seis filmes de Ray (todos agora restaurados). Apesar do fracasso comercial de sua primeira colaboração, A grande cidade (1963), eles realizaram A esposa solitária logo em seguida e atingiram um grande sucesso de crítica e público. O filme também foi aclamado internacionalmente com o Urso de Prata no Festival Internacional de Cinema de Berlim, entre outros prêmios. No escopo de sua obra cinematográfica, Ray considerou A esposa solitária seu filme preferido e mais perfeitamente realizado.
 

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