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Uma página de loucura
(Kurutta Ichipeiji)

Teinosuke Kinugasa | Japão | 1926, 79’, 35 mm para cópia digital restaurada
Fonte da cópia: Kokuritsu Eiga Akaibu (Arquivo Nacional de Cinema do Japão)
 

Uma tempestade, a roda de um automóvel em movimento, uma dançarina rodopiando, os portões de um prédio. Essas imagens se intercalam freneticamente e com velocidade crescente, culminando em um dormitório onde um homem melancólico observa a chuva pela janela alta. Esse homem (interpretado pelo astro do cinema japonês silencioso Masao Inoue) é o zelador do manicômio onde está internada sua esposa (Nakagawa Yoshie), que foi levada violentamente à loucura por ele em um passado distante, quando era um marinheiro do exército. Enquanto trabalha entre a população de homens e mulheres alucinados, o zelador, consumido pelo remorso, procura auxiliar sua esposa e a filha adulta (Iijima Ayako), que a visita eventualmente e que se prepara para se casar. O homem reconhece que sua agressão no passado repercutirá na vida futura da sua família, pois, nessa sociedade, a doença mental é considerada hereditária e motivo de vergonha. Sua busca por redenção evolui para uma condição de perpétua insanidade, representada por imagens surrealistas dele, dos habitantes do manicômio e dos arredores do local, que entram cada vez mais na linha ambígua entre um estado de delírio e o mundo real.
 
Uma página de loucura foi o 35º longa-metragem dirigido pelo prolífico cineasta Teinosuke Kinugasa, e seu primeiro como produtor independente. Ele convidou como colaboradores um grupo de jovens escritores chamado Shinkankakuha [Grupo neossensorialista], cujos membros revolucionaram a literatura japonesa ao propor um estilo de prosa mais focado em comunicar as sensações e impressões imediatas da percepção humana do que na narrativa linear. O desenvolvimento da história original do filme ficou nas mãos do integrante do grupo Yasunari Kawabata, um romancista e escritor de contos que ganharia o Prêmio Nobel de Literatura mais de quatro décadas depois. A obra resultante empregou uma grande variedade de truques e técnicas cinematográficas experimentais, como superimposições de imagens e dissoluções entre planos, ao longo de uma narrativa contada sem nenhum intertítulo para explicar a ação.
 
Uma página de loucura gerou uma comoção entre os críticos de cinema japoneses da época, que se dividiram entre o enaltecimento, ao considerá-lo o primeiro filme nacional com o padrão internacional das obras-primas do Expressionismo alemão e do Surrealismo francês, e o demérito, ao tratá-lo como incompreensível. Mas, mesmo tendo sido um sucesso de bilheteria e bem recebido entre profissionais da área de saúde, o filme logo se perdeu, como foi o caso da vasta maioria de filmes japoneses da época silenciosa. Kinugasa finalmente encontrou o negativo de Uma página de loucura em sua casa em 1971 e, em toda probabilidade, reeditou-o para dar ainda mais ênfase ao seu aspecto experimental.
 
Desde então, o filme tem circulado em diversas cópias de qualidade variável. A nova versão de Uma página de loucura que passará no IMS, confeccionada em 2021 pelo Arquivo Nacional de Cinema do Japão, restaura diversos aspectos do filme, entre eles o tamanho original das imagens (que foi diminuído com o acréscimo de uma banda sonora à película na década de 1970) e o tingimento azul do lançamento original, algo não exibido desde a década de 1920. A primeira exibição do filme será apresentada sem acompanhamento musical, e a segunda terá a participação ao vivo do acordeonista e compositor brasileiro Gabriel Levy.
 

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