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"Amedabade, Bombaim, Calcutá" (3 filmes, 74 min)
Ruchir Joshi/Mani Kaul | Índia | 1980-1993, 74', 16 mm + 35 mm para DCP

 
Fontes das cópias:
- Arsenal - Institut für Film und Videokunst e.V. (Memórias da cidade do leite + Contos do planeta Kolkata)
- Ashish Rajadhyaksha + National Film Development Corporation of India (Chegada)
 
O programa de três filmes passa pelas ruas de três cidades indianas, cada uma com suas particularidades. E assim reflete um deslocamento feito pela família de Ruchir Joshi, cujos pais migraram de Amedabade, no estado de Gujarate, para Calcutá antes dele nascer. Em um texto escrito para o WdW Review em 2015, o cineasta e escritor lembra da viagem anual feita durante sua infância para o outro lado do país para visitar seus parentes gujaratis, com a cidade de Bombaim se inserindo no caminho: "Os contrastes entre Calcutá, Bombaim e Amedabade eram enormes. Calcutá era tropical, superpopulosa, decrépita, com a sensação de que em todo lugar coisas e sistemas quebravam... Bombaim era tropical, superpopulosa e assustadora: as coisas funcionavam, mas a um ritmo feroz e surreal... Amedabade, entretanto, parecia ser completamente desconectada das tensões que torturavam as duas cidades grandes. As pessoas eram relaxadas, calorosas e generosas, e até seu humor era gentil".[1]
 
Memórias da cidade do leite apresenta cenas de Amedabade (filmadas por Ruchir e Ranjan Palit), com texto e narração do dramaturgo gujarati Madhu Rye, que casa versos rimados de uma peça de rádio da década de 1960 com um texto autobiográfico. Inúmeras vacas nos guiam pelas ruas de uma cidade popular e simples, com aspecto pacato, enquanto ouvimos sobre um processo rápido de modernização e americanização que atinge os habitantes. Os rebanhos de animais compartilham as praças com bancas de comida de rua e um fluxo constante de motocicletas. Acompanhando os momentos lúdicos, há um tom sombrio que aponta para a história de violência e opressão na cidade contra a minoria muçulmana. Enquanto crianças, mulheres e homens brincam, comem e se divertem à noite, Rye fala de "Amedabade... Onde basta uma folha cair para incitar rebeliões religiosas".
 
A Bombaim percorrida por Mani Kaul em Chegada é também uma cidade de contradições. Embora Kaul seja mais conhecido por dirigir obras-primas narrativas do movimento de Cinema Paralelo indiano, como Uski Roti (1970) e Duvidha (1973), ele também fez documentários majestosos, nos quais sua liberdade formal driblou as restrições da obra comissionada. As imagens de Chegada (embaladas pela trilha sonora do renomado compositor clássico indiano Raghunath Seth) descrevem, quase sem diálogos, a variedade dos trabalhos precários oferecidos aos mais pobres. Operários da construção civil sobem de chinelo, sem capacete, num elevador estruturado por finas toras de madeira. Trabalhadoras carregam bacias de pedras nas cabeças. Centenas de pessoas dormem no chão de uma estação de trem. As variedades das comidas são ao mesmo tempo produtos de labor e ocasiões para descanso de pessoas que olham para a câmera com expressões marcantes.
 
Em Contos do planeta Kolkata, Joshi (um artista influenciado por Kaul) coloca sua cidade nativa na tela com o intuito de questionar a maneira como o cinema e a mídia ocidentais a percebem - por exemplo, na exploração da miséria por Louis Malle no documentário Calcutá (Calcutta, 1969), parodiado pela interpretação de Ruchir de um cineasta francês em busca da "câmera impossível", e na superficialidade hollywoodiana de A cidade da esperança (City of Joy, 1992), cujas filmagens com Patrick Swayze e um grande elenco são captadas ao lado das reações de habitantes de Calcutá, que não se reconhecem na história. O filme também apresenta outras narrativas possíveis, como em uma cena no qual o videoartista norte-americano Tony Cokes, cuja obra descontrói o racismo latente na mídia de seu país, aparece conduzindo um riquixá e encara o público para declarar que "parece haver uma indústria do medo do outro lado da câmera... Imagens familiares de Calcutá parecem existir para que o espectador ocidental se sinta mais confortável, mais humano e talvez até mais sortudo do que ele realmente é." E há a vontade melancólica narrada por Ruchir de fazer um filme sobre a cidade com seu mentor Deepak Majumdar, um pesquisador e músico que morreu logo antes do começo do projeto a que estamos assistindo. A Calcutá do filme é uma e muitas cidades, aqui vista por alguém em busca de seu encantamento.
 
O programa conta com os seguintes filmes, todos em suas estreias brasileiras e nas melhores cópias de exibição:
 
Memórias da cidade do leite
(Memories of Milk City)

Ruchir Joshi | Índia | 1991, 14', 16 mm para DCP
+
Chegada
(Arrival)

Mani Kaul | Índia | 1980, 20', 35 mm para DCP
+
Contos do planeta Kolkata
(Tales from Planet Kolkata)

Ruchir Joshi | Índia | 1993, 40', 16 mm para DCP
 
MUTUAL FILMS